domingo, 21 de janeiro de 2007

"O meu irmão Martim"

Aqui está um texto espectacular escrito por Afonso Reis Cabral, mais um jovem do nortepelavida e grande amigo, que tem participado activamente como voluntário nesta campanha pelo NÃO. Os meus muitos parabéns Afonso.

"O meu irmão Martim nasceu no dia 22 de Julho de 1991, pouco mais de um ano depois de mim. As poucas lembranças que tenho dele mais novo são como uma fotografia monocromática gravada directamente na minha consciência. Por exemplo, quando ele ainda gatinhava eu punha-me ao seu lado e gatinhava com ele e formavamos os dois uma manada, na verdadeira acessão da palavra (manada, junção de dois ou mais irmãos). Depois, mais tarde, quando eu ia com a minha mãe buscá-lo ao infantário do Carvalhido e ele a descer umas escadas arrastando a mochila. E muitas mais lembranças ou memórias possíveis mas não passíveis de serem descritas…O meu irmão tem gestos simples de puro amor que faz com a maior das naturalidades, gestos que não precisam de palavras. Ou então, depois de uma birra, aproxima-se furtivamente e com um gesto terno diz «Culpa…!». É a dupla aceitação do erro, culpa culpa… desculpa. (Eu já conheço todas as palavras com que ele vive o mundo.)Ou então quando se ri, de uma maneira ao mesmo tempo pura e brincalhona, ou então quando acorda de manhã e é todo mole e segue a minha mãe para todo o lado depois de comer o seu iogurte. O Martim adora pão e iogurte e perde-se noutros mundos e noutras vidas vendo televisão e desenhos animados (quase colado à televisão). Vibra com futebol e acompanha a minha irmã nos gostos musicais, muito diversos dos meus.Insiste, por teimosia, em subir as escadas por etapas: pé direito, depois o esquerdo no mesmo degrau. Pausa. Pé direito, depois o esquerdo… Anda mais rápido, Martim! Pé direito, um degrau, pé esquerdo outro degrau. Quando desce as escadas em direcção à carrinha para ir para o colégio, como não tem ninguém que o incomode: pé direito, depois o esquerdo no mesmo degrau. Pausa. Pé direito, depois o esquerdo…Por vezes é muito teimoso e embora perceba perfeitamente o que se está a dizer, divaga propositadamente para os seus assuntos favoritos e então uma ladainha desenfreada sobre tudo e sobre nada é proferida com o maior encanto do mundo.Umas vezes quando volta do colégio vem todo irritado, outras falador, outras macambúzio, outras indiferente, outras gracejando, outras saltitando. Vem sempre feliz.Tem uma rotina muito certa, o meu irmão Martim. Colégio, pão, televisão, banho, jantar, cama. No meio disto tudo decide chatear-me um pouco, mas enfim…E, depois, quando se deita, antes mesmo de fechar os olhos e de cair nos braços de Morfeu, diz, abafado pelos lençóis: «Bo noite, mano!» Boa noite Martim. (Irrita-se imenso quando eu oiço música ao mesmo tempo que leio.)E então, já a dormir, irremediavelmente destapa os pés.
No entanto, eu já tive mais direitos que o meu irmão Martim. Há apenas quinze anos atrás as nossas vidas poderiam nunca se ter encontrado e o meu irmão poderia estar morto.Com que direito teve o meu irmão menos direitos que eu? Com que direito o Estado definiu que o meu irmão poderia ter sido morto mesmo antes de nascer e eu não? Porque é que eu tinha o direito à vida e o Martim não?Com que direito é que o meu irmão Martim, por ter o Sindroma de Down, poderia ter sido morto? Com que direito é que a lei diz que se podem matar bebés deficientes ainda não nascidos até aos 6 meses de gestação?E se tivessem tocado a campainha ao meu irmão Martim? "

1 comentário:

Anónimo disse...

"O Aborto é o pior inimigo da Humanidade" Madre Teresa de Calcutá